quarta-feira, 2 de maio de 2007

Fernão Dias e Tombu, o rei dos goianá

As expedições para o sertão do Brasil, no período colonial, foram episódios grandiosos de nossa história, não apenas pelas conseqüências de tais empreendimentos, mas também pelo espírito do homem que punha sua vida em risco dedicando-se a longas jornadas em terras desconhecidas, deixando para trás seus bens na incerteza de conseguir maiores em outro terreno. Além de caminhar pelo desconhecido, topar com tribos de bárbaros, e com estas travar combate, tinham que superar as inúmeras adversidades geográficas, como expressou o padre João de Aspilcueta Navarro¹ em uma das cartas avulsas da Companhia de Jesus:

“Eram, aqueles sertões ainda virgens, intratáveis a pés portugueses, dificultosíssimos de penetrar, sendo necessário abrir caminhos à força de braços, atravessar inúmeras lagoas e rios, caminhar sempre a pé, e pela maior parte sempre descalços: os montes fragosíssimos, os matos espessíssimos, que chegavam a impedir-lhe o dia. Entre estes trabalhos muitos desfaleciam, muitos perdiam a vida”.

Num contexto de busca quase mítica pelas riquezas no sertão do Brasil, como uma busca pelo El Dorado, em meio a empreendimentos que comoviam o espírito humano, a choques de traços e culturas tão diferentes, e devassando um novo território, tem-se as peças no lugar para que aconteçam grandes eventos, tendo sua grandiosidade devida à indústria investida, aos frutos recolhidos ou à poesia inerente a episódios singulares. E foi um singular episódio que assegurou a principal coluna do contingente da bandeira de Fernão Dias.
Chefe de notável família, senhor de grandes latifúndios, de milhares de escravos e de várias aldeias de índios. Dono de grande fortuna e de numerosa tropa aramada, Fernão Dias, arrebatado pela paixão das grandes jornadas ao sertão, tinha em mãos o necessário para avançar ao sertão em busca das esmeraldas. Fernão Dias já era tido em estima, inclusive pelo rei português, devido a conquista dos índios goianá.
Os índios, atemorizados pela imposição dos brancos, refugiavam-se para o interior de maneira que, os goianá que não aceitaram a submissão, formaram três reinos que por um tempo viveram em harmonia, mas logo começaram a guerrear entre si, da maneira como as tribos sempre fizeram no Brasil.
Os goianá mostravam boa índole em sociedade. Praticavam a monogamia, não tinham a antropofagia como hábito, faziam o cultivo da terra, vivam em aldeias e mostravam peculiares noções de governo. No entanto, os reinos goianá se exterminavam, e os prisioneiros eram sacrificados e comidos em rituais infernais praticados pelos índios. E desse infortúnio das tribos, aproveitou-se Fernão Dias, que penetrou o sertão e, com todo o peso de suas armas, cercou os três reinos que resistiram durante anos, mas acabaram sendo conquistados.
A morte repentina de um dos régulos, chamado Gravataí, resultou no enfraquecimento de um dos lados, o que resultou no desalento de todos os tribais. Desta forma, a rendição ficou decidida entre os índios, uma vez que Fernão Dias expressou total falta de intenção em extermina-los ou escraviza-los, colocando como condição, no entanto, para que a rendição fosse aceita, que eles se apresentassem a Igreja. Tal condição foi aceita, e logo o conquistador conduziu os índios, estes em número superior a cinco mil, para terras de sua propriedade.
Durante a viagem, outro régulo, Sonda, faleceu. E toda nação goianá, esquecendo suas desavenças, unida pelo mesmo destino, colocou-se sob as ordens de Tombu, o rei sobrevivente. E foi a morte deste rei que fez transtornar o coração dos nativos, uma vez que viviam satisfeitos na nova terra, empregados no cultivo da terra. Nesses dias, todos haviam recebido o batismo, senão Tombu, que havia recusado dando como justificativa o fato de que, a ele, não era possível acreditar em uma lei cujo senhor não castigava de pronto os infratores.
Desalentado pela enfermidade, pediu para que fosse batizado e tomou para si o nome de Antônio, santo pelo qual tinha afeição. E a idéia de Tombu para que fosse convertido, é o que coroa tal episódio do gênero humano. O rei moribundo disse, na ocasião, que todos os seus súditos, destinados ao mesmo infortúnio que ele, companheiros de triste destino, haviam entrado para a Igreja, e, por isso, iriam após a morte para o paraíso dos cristãos, onde não poderia entrar quem não fosse batizado. Ele não queria separar-se dos seus, mas continuar unido a seus amigos e compartilhar com eles o mesmo destino. Arrancado de sua terra e sem liberdade na terra alheia, preferiu por prolongar seu desterro no céu do estrangeiro para não se separar de seus companheiros de desventura.
Sua morte foi sentida profundamente pelos goianá, que se rebelaram, querendo voltar ao sertão, mas foram contidos por Fernão Dias, que, por cautela, dividiu-os por seus parentes. Mas para si, reservou os índios que eram súditos antigos de Tombu, por quem era estimado, e foram estes que compuseram a principal coluna da bandeira que perscrutou o sertão mineiro.


¹ - O Padre Navarro chega ao Brasil, sendo um dos primeiros jesuítas, a 29 de março de 1549, na frota de Tomé de Sousa, e da expedição deste (a primeira que perscrutou o território do Brasil) fez parte. Embora a expedição não tenha alcançado sucesso em seu objetivo de encontrar pedras preciosas, Pe. Navarro arrebanha, em grande número, índios para os aldeamentos da Companhia de Jesus em Porto Seguro.

segunda-feira, 30 de abril de 2007

Motivos iniciais

Criei este blog com o intuito de nele escrever episódios interessantes de nossa história, mais ou menos conhecidos e, algumas vezes, contrariando o que é amplamente tido como certo e ensinado, e fazer citações à cultura produzida no Brasil que, por motivos com certeza complexos e desconhecidos por mim, foi jogada a um recôndito canto da existência desse país, sem qualquer direito ao zelo e a um possível resgate futuro quando a poeira sobre ela ameaçasse consumi-la, sobrevivendo apenas pelo esforço de poucos amantes do gênio humano e pela curiosidade de outros como eu, que, naturalmente, se vêem impelidos a expedicionarem onde a luz de nosso tempo não chega, na certeza do deslumbramento ao encontrar as peças de tal tesouro.